"Estamos ou não melhor?" - A pergunta que queima
A formulação de Passos no discurso de
abertura foi um passo ousado do líder do PSD. PS, críticos internos,
presidenciais - temas fortes de um regresso ao Coliseu
O casamento Passos/Portas Se este
congresso se tivesse realizado há uns meses, a relação entre o PSD e o
CDS e a relação entre Passos Coelho e Paulo Portas seria seguramente um
dos temas de topo. Hoje, fevereiro de 2014, deixou de ser uma
preocupação aguda dentro da maioria. Será que vai ser assim até 2015 ou
temas como a baixa do IRS (de que Passos não é entusiasta) ou a saída da
troika vão voltar a fazer azedar as relações?
Presidenciais No primeiro dia de Congresso,
pouco ou nada se falou de presidenciais. Mas o tema deve subir ao palco
na intervenção de alguns congressistas neste sábado.
Soares aplaudido Passos ao evocar a história do
partido e o seu papel na construção da democracia portuguesa, teve uma
palavra e um gesto simpático para com Mário Soares, evocando o seu nome.
E ouviram-se aplausos.
Frases do discurso de Passos: "O PSD não é hoje
menos social-democrata do que em 1974"; "Quando se começa a levar
pancada, às vezes dói mais quando já estamos moídos"; "O Governo está a
ajudar a salvar Portugal"; "Julgo que ninguém tem dúvidas que estamos
hoje melhor que há dois anos"; "A oposição está zangada com o que se
passa no país"; "Nunca ninguém me viu a silenciar seja quem for";
"Portugueses não tolerariam que voltassemos para trás"; "A receita
socialista não é sustentável";
A relação com o PS Levanta-me alguma perplexida a
intervenção de Passos num ponto: todo o seu discurso troika e pós
troika assenta na necessidade de acordos, consenso. O que passa pela
necessidade de, de alguma forma, dar a mão ao PS. Ora, se assim é, e se
isso é assim tão importante, para quê o "malhar" de forma insistente nos
socialistas como Passos fez na intervenção de sexta-feira? É que essa
não é seguramente a estrada mais curta para serem conseguidos acordos.
Estamos ou não melhor? (parte dois) Aliás, a
ideia do "estamos ou não melhor", levanta outra observação sobre Passos.
E sobre a forma cerebral, fria, quase de pedra como ele parece falar e
agir. Durante três anos foi dessa forma fria que aplicou a austeridade
(não estou a dizer que o fez mal, apenas que o fez de forma dura e
fria). Agora, ao anunciar a retoma e ao dizer que estamos melhor que há
dois anos, volta a parecer totalmente frio e cerebral e racional. Porque
dificilmente se entende que diga tal coisa quando, manifestamente, o
país, nós todos, ainda estamos bem dentro do poço. Podemos estar a
caminhar na direcção da saída (e eu até acredito que estamos), mas que
ainda estamos lá bem no fundo, estamos. Pego na frase que Balsemão
dirigiu aos congressistas, no vídeo na abertura do congresso: "A
política também é coração". Pode ser, mas seguramente que não para
Passos Coelho.
Estamos ou não melhor? Ideia central na
intervenção de Passos Coelho, e provavelmente uma das ideias fortes que
vai marcar todo o Congresso, foi quando perguntou "estamos melhor ou
pior que há dois anos?" aos congressistas, lançando em seguida um monte
de dados, estatísticas e números para, finalmente, concluir que "julgo
que ninguém tem dúvidas de que estamos melhor". Passos deu aqui um passo
claramente maior que a perna. Umas coisa é dizer que estamos no caminho
certo. Que já batemos no fundo do poço. Que o crescimento da economia é
sustentável. Mas verdadeiramente o que "queima" na pergunta que Passos
faz é que a mesma pergunta, se feita mentalmente por cada um dos
portugueses, pode levar a uma resposta que não é propriamente a mesma
que o líder do PSD deu no Congresso.
Entre o esfrangalhado e o eufórico. Se o
Congresso do PSD se tivesse realizado há apenas seis meses, o que
teriamos assistido era a um partido (e a um Governo) totalmente
esfrangalhado, sem ânimo, nem norte. É verdade que o golpe de asa de
Passos a resolver a crise do verão, e ao conseguir manter a coligação
viva, foi provavelmente o momento decisivo da legislatura. E que agora o
estado de alma laranja é outro. Longe de eufórico mas pelo menos já não
tão deprimido - a isso ajudam e muito os números da economia dos
últimos meses, que afastaram a ideia da espiral recessiva que durante
tanto tempo pairou como uma nuvem negra sobre o país. Mas daí a que
Passos se permita dizer que estamos hoje melhor que há dois anos, vai
um oceano de diferenças. Até se percebe que diga que estamos no caminho
certo, mas não era preciso exagerar...
O discurso longooooo de Passos. Quase uma hora a
falar aos congressistas na abertura do encontro. Uma intervenção para
"prestar contas", como o próprio afirmou. Um tom muito muito
professoral, sempre a debitar números e estatísticas. Um discurso longe,
muito longe, de empolgante. Aliás, não me lembro de um discurso de
abertura de um congresso partidário em que o líder tenha sido tão pouco
aplaudido (mas o problema pode mesmo ser a minha memória). Só quando
Passos se dispôs a "malhar" no PS é que verdadeiramente a sala começou a
aquecer. Passos falou, como tantas vezes nestes três anos, de
improviso. Não só não usa teleponto como Sócrates, como nem sequer traz
discurso escrito.
O bando louco de neoliberais (parte dois). Percebe-se
que, por puro instinto de sobrevivência e depois de três anos de
governação e a poucos meses de eleições, o PSD insista tanto nesta tecla
de "vejam como nós não somos nem nunca fomos liberais". Mas o tema não
deixa de me causar alguma espécie. Há quatro anos quando chegou à
liderança do PSD Passos Coelho assumiu um programa marcadamente liberal
(tirar o Estado da Economia, Constituição, etc, etc). Normal num partido
grande e de centro-direita, onde cabem de liberais a conservadores a
sociais-democratas a maçons a católicos. No fundo, onde cabe quase tudo.
Ora, o que me causa espécie não é que Passos tenha assumido em 2010 um
programa liberal. Nem, no limite, que quatro anos depois o pragmatismo
eleitoral e partidário levado ao extremo leve a uma inversão de agulhas.
Verdadeiramente o que me causa espécie é que agora se passe uma esponja
e se queira esconder que o programa que levou estes senhores ao poder
era claramente um programa liberal e liberalizante para o país.
O bando louco de neoliberais. Todo o Congresso
está montado em torno do mote "somos muito mas muito
sociais-democratas". Das frases de Sá Carneiro que envolvem a sala do
Congresso, ao vídeo mostrado na abertura em que se puxou até mais não
pelo papel do PSD (ou melhor, da chamada Ala Liberal, já que o PSD nem
sequer existia na altura) no combate ao Estado novo e pela
democratização do regime. Até músicas de abril se ouviram. Passos disse
mesmo na sua intervenção de abertura que o partido é hoje tão
social-democrata como era em 74. O tema, manifestamente, é hoje quase
uma obsessão desta liderança, que quer mostrar à exaustão que quem manda
no PSD não é um bando de neoliberais furiosos. Que amam o Estado Social
tanto ou mais que o mais empedernido socialista. Percebe-se que o
façam: depois de três anos de troika, o rótulo de liberal passou
infelizmente em Portugal a quase equivaler a insulto.
Os críticos. Logo na primeira intervenção do
congresso, de Miguel Pinto Luz, líder da distrital de Lisboa do partido,
deu o mote do que vai ser seguramente uma das notas fortes deste
congresso: "O PSD não está nas televisões, está aqui". O ataque aos
críticos internos, a maior parte deles ausente vai servir como toque a
rebate, como tentativa de unir as hostes. Arranja-se um inimigo interno,
o que ainda por cima ajuda a animar um congresso que não tem grandes
pontos de interesse. Vai ser dos temas que mais aplausos vai garantir
entre os congressistas, seguramente.
Presenças e ausências. Já se percebeu que dos
temas mais abordados neste Congresso vai ser a ausência de algumas das
principais figuras laranja do Coliseu, sendo que são essas precisamente
algumas das figuras mais críticas da atual linha de atuação do partido.
Ferreira Leite, Marques Mendes, Marcelo, etc. Na abertura ainda havia a
dúvida sobre se Menezes regressava ou não ao Coliseu (depois da
celebremente triste intervenção dos sulistas, elitistas e liberais de há
19 anos).
As Europeias. Tema preferido, ou pelo menos um
dos temas preferidos na abertura do Congresso eram as eleições Europeias
do próximo dia 25 de maio. Os diretos televisivos durante a tarde de
sexta-feira à porta e dentro do Coliseu foram muito centrados na questão
de saber se o partido iria ou não apresentar o seu cabeça de lista (que
sabe-se vai ser Paulo Rangel) neste Congresso. Uns achavam que sim,
devia ser neste fim de semana que o nome era anunciado, outros achavam
que não. O deputado Duarte Pacheco disse mesmo que o nome iria ser
divulgado durante o Congresso. Mas seria o próprio Paulo Rangel a dizer à
entrada que a questão não iria ser tratada (ou seja, o anúncio formal)
nestes três dias.
A presença de Portas. Pouco antes de começar o
XXXV Congresso do PSD, no Coliseu, ficou a saber-se que Paulo Portas
iria repetir a presença na sessão de encerramento do conclave laranja,
repetindo o que fizera há dois anos, no Congresso do Pavilhão Atlântico.
Depois de Passos ter sido há pouco tempo aplaudido no Congresso do CDS,
não deixa de ser curioso verificar qual a reacção que Portas causará ao
"povo" laranja. Até porque, se é verdade que as relações entre os dois
líderes e os dois partidos está hoje "normalizada", não o é menos que
foi por causa de Portas que no último verão a maioria esteve a
centímetros de se estatelar.
Regresso ao local onde foste feliz. O XXXV
Congresso do PSD realiza-se este fim de semana no Coliseu de Lisboa. É a
quinta vez que os sociais-democratas escolhem esta sala tradicional
para a realização dos seus conclaves. Bem se pode dizer que o Coliseu é
"A SALA" dos congressos do PSD. Aqui se passaram momentos épicos, como o
célebre congresso de fevereiro de 1995, que marcou a sucessão de Cavaco
Silva depois de dez anos à frente do partido (o congresso dos
"sulistas, elitistas e liberais").
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