Nunca pensei em ser polícia
... Agora, o governo quer fazer de mim um polícia (ainda por cima à paisana) e também um denunciante.
Estou daqui a imaginar a cena. O indivíduo gordo e triunfante que atrapalhou a vida a centenas de pessoas, que tinham cometido o erro de confiar nele. O sr. Passos Coelho, seguido da sua trupe e da sua inconsciência. O automóvel cintilando ao longe. O premiado começará por apertar a mão a S. Exa. com uma grande vénia. E, a seguir, S. Exa. retribuirá com um pequeno discurso sobre as vantagens da coesão social, do enorme esforço que se espera do conjunto da Pátria e dos milhões que a operação angariou para os pobrezinhos, que ele particularmente estima. Um secretário entregará a chave do carro ao polícia e denunciante do ano e essa virtuosa personagem tornará a apertar com respeito a mão do sr. Passos. A sociedade portuguesa avançou um novo passo para a abjecção.
(Vasco Pulido Valente)
O processo não é
complicado. Quem pedir sempre a factura a quem lhe vende um café, um
bife ou um casaco, chega ao fim do ano com um molho de bilhetes de
lotaria para o sorteio de um carro “topo de gama”, que o governo oferece
ao “bom cidadão”. Isto permite ao ministério das Finanças comparar o
volume de negócios declarado de qualquer restaurante ou de qualquer loja
com a documentação que lhe entregou a classe média à procura de um Audi
ou de um Mercedes, que a faça brilhar na vizinhança e espicace a sempre
viva inveja da família e amigos. Para animar as coisas, que, segundo
consta, não andam bem, o Estado obriga toda a gente a pedir factura.
Como
se compreenderá, o Estado transforma assim com habilidade e subtileza
os portugueses numa corporação de espionagem encarregada de se espiar a
si mesma, sem gastar mais do que um carro apreendido a um criminoso ou
contrabandista. Vivendo perto da falência, o comércio e a restauração
tendem a subtrair uma factura ou outra à tosquia fiscal a que estão
submetidos. Esta prática irrita os peritos que aconselharam ao sr.
primeiro-ministro este método democrático. A Espanha acha o estratagema
“pitoresco”. Por mim, que não sou a Espanha, acho a ideia tenebrosa:
vexatória, indigna, irresponsável, excessivamente parecida com episódios
conhecidos da Ditadura e dos regimes que ela imitava e venerava. E, no
fim do ano, gostava de ver a cara do meu compatriota que ganhou esse
glorioso concurso.Estou daqui a imaginar a cena. O indivíduo gordo e triunfante que atrapalhou a vida a centenas de pessoas, que tinham cometido o erro de confiar nele. O sr. Passos Coelho, seguido da sua trupe e da sua inconsciência. O automóvel cintilando ao longe. O premiado começará por apertar a mão a S. Exa. com uma grande vénia. E, a seguir, S. Exa. retribuirá com um pequeno discurso sobre as vantagens da coesão social, do enorme esforço que se espera do conjunto da Pátria e dos milhões que a operação angariou para os pobrezinhos, que ele particularmente estima. Um secretário entregará a chave do carro ao polícia e denunciante do ano e essa virtuosa personagem tornará a apertar com respeito a mão do sr. Passos. A sociedade portuguesa avançou um novo passo para a abjecção.
(Vasco Pulido Valente)
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