Felipe Gonzalez em Lisboa
O antigo presidente do Governo espanhol
Felipe González defendeu esta terça-feiras que as campanhas eleitorais
para o Parlamento Europeu, tanto em Espanha como em Portugal, devem
debater as questões europeias, ao invés de se centrarem nos assuntos de
política interna.
González, que liderou o país vizinho durante 13 anos e
meio (a partir do início da década de 80 do século passado), interveio
na conferência do Expresso/SIC/Instituto de Ciências Sociais que
assinala os 40 anos do 25 de Abril, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.
O ex-líder do PSOE (Partido Socialista Operário
Espanhol) começou por falar do impacto que o 25 de Abril teve na sua
geração e no seu país, que em 1974 ainda vivia sob a ditadura
franquista. "O que se passava em Portugal era o culminar de uma
aspiração", disse. "Em Espanha queríamos que ocorresse um 25 de Abril",
acrescentou.
"Víamos com grande ilusão a rutura que se viveu em
Portugal", acrescentou, para de seguida mencionar duas diferenças entre o
processo português e o espanhol. Por um lado, do lado de lá da
fronteira "há um vazio da representação simbólica", na falta de uma data
que possa ser equiparada ao 25 de Abril. Por outro, a realidade
portuguesa, com as colónias africanas, levou a que a Guerra Fria se
tenha jogado nesses espaços, com a intervenção da União Soviética, que
marcou o processo de descolonização.
Mas se a evocação do 25 de Abril foi o ponto de
partida da intervenção de González, o antigo político espanhol faria de
seguida uma intervenção muito estruturada (e a mais aplaudida até esse
momento nas diversas sessões plenárias da conferência) sobre a atual
situação na Europa, sobretudo nos países ibéricos.
E neste ponto ponto, González disse claramente de
onde vem: "Sou um europeu europeísta. A solução [para a crise atual]
passa por mais Europa, com outro tipo de subsidariedade".
A receita seguida até ao momento tem sido a errada.
"O que não cresce não paga dívidas", afirmou o ex-político espanhol,
antes de referir o fraco desempenho das economias espanhola e
portuguesa, nas quais o crescimento dos respetivos PIB é muito baixo
(quando não é negativo), ficando muito aquém nas necessidades para o
pagamento dos juros da dívida de cada um dos países.
A raiz do problema é mais vasta, segundo González. "O
modelo da economia da globalização está excessivamente financeirizado. E
quando gera riqueza, distribui-a mal, tanto na China como na Dinamarca.
E se o modelo distribui mal quando cresce, distribui muito pior numa
fase de ajustamento", disse.
Como corolário desta realidade, para González vive-se a "pior crise de governance da democracia representativa".
"Portugal e Espanha vão continuar mal"
A solução para este défice é mais Europa. "Não me
importaria nada que houvesse um ministro da Economia e das Finanças na
Europa. Mas com legitimidade democrática. E a maior legitimidade
democrática está no Parlamento Europeu. E isso não se está a discutir
nos nossos dois países, o que me preocupa", disse o antigo presidente do
Governo espanhol, depois de ter salientado que dos dois lados da
fronteiras são as agendas domésticas a marcar o debate pré-eleitoral.
Desarmando os que lhe apontam o dedo por contestar os
caminhos da construção europeia, e isso dar espaço aos adversário da
Europa, o ex-chefe do Governo espanhol responde: "Se não há um
europeísmo crítico com os erros que se vão cometendo, então aí é que os
anti-europeus vão crescer".
Neste estado de coisas, "a solução passa por animar
estas eleições europeias". "Chegará o momento de discutir quem governa
melhor a margem de governo que temos [em cada país]. Hoje é preciso
escolher o que se quer que se faça com a Europa", disse.
González antecipou-se de certa forma ao debate que
viria a encerrar a conferência, em que os ex-presidentes da República
Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio responderam à pergunta
"valeu a pena?". "Valeu a pena, para Portugal e para Espanha. Não há
nada mais importante do que recuperar a liberdade. Digo-o nesta hora de
sofrimento. Claro que valeu a pena", afirmou o antigo presidente do
governo espanhol.
O ensaísta Eduardo Lourenço foi o comentador da
intervenção de González, subordinada à ideia "Visto de Espanha".
Partilhando a opinião do político espanhol - "interessa encontrar uma
saída, que só pode ser a casa comum europeia, evocada por Gorbatchov",
disse Lourenço -, o pensador português introduziu no entanto alguns
pingos de pessimismo na reflexão.
Se antes González dissera que Portugal e Espanha "vão
continuar mal neste ano e no próximo, e provavelmente no seguinte",
Lourenço disse que não haverá opções autónomas para qualquer dos países.
"Não temos mais nenhuma saída do que as saídas que a Europa encontrar
para ela própria", afirmou o pensador português.
E aqui Lourenço lançou os avisos à navegação: "Mas a
Europa não é a barca das barcas. A Europa, com largas exceções, é uma
guerra civil sem fim. Para mim, a história não é um conto de fadas, é
uma espécie de tragédia contínua. Espero que esta Europa que queremos
construir seja um oásis de paz que nunca foi".
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