"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,
sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas.
Um povo em catalepsia ambulante,
não se lembrando nem donde vem,
nem onde está, nem para onde vai.
Um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência
como que um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,
sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima,
descambam na vida publica em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação,
da violência ao roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam
entre a indiferença geral, escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis
no Limoeiro (...)
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança,
pelo primeiro que sai dum ventre, como da roda duma lotaria.
A justiça ao arbítrio da Politica, torcendo-lhe a vara
ao ponto de fazer dela saca-rolhas;
Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e
pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao
outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo,
apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento...
"de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"
Por incrível que pareça, este texto já tem 100 anos!
conheça o autor