quarta-feira, março 22, 2006

A Cela

Ficava numa imensa planície que se estendia a perder de vista, rodeada de montanhas, e pontilhada aqui e além por enormes afloramentos graníticos. O Colonato Europeu da Cela, como inicialmente se chamou, foi durante muitos anos conhecido simplesmente por Cela, e não sei se para abreviar, ou se porque a designação "europeu" e "colonato" começavam a não soar muito bem. A ideia do colonato foi pensada e arquitectada, na década de cinquenta, por alguém que queria implantar no coração de Angola uma comunidade de agricultores portugueses que produzisse e reproduzisse, tanto quanto possível, uma agricultura e um estilo de vida semelhantes ao que havia na "metrópole", ou que sonhava que havia. O clima era óptimo e a terra fértil, chovia muito e com regularidade, e isso deve ter feito muita gente sonhar que poderia ser ali a "Terra Prometida". Claro que para isso tiveram que se afastar dali umas quantas aldeias, com os seus habitantes à frente dos buldozers. Mas os indígenas não se afastaram para muito longe, aquela era a sua terra e acabaram por ficar por perto, muitos deles agora a trabalhar para um patrão "europeu" que, se na sua terra cavava ele próprio o sustento com a enxada, com aquela mão de obra tão barata já não precisava de se cansar tanto.
Primeiro construiram-se umas aldeiasinhas simpáticas que tentavam reproduzir o que seria a aldeia ideal portuguesa. Os terrenos em volta foram depois medidos e emparcelados para mais tarde serem sorteados e distribuídos pelos futuros aventureiros lusitanos. Mas o que sería a tal "Aldeia Ideal Portuguesa"? Numa reunião preliminar, um arrojado urbanista que apresentou o seu projecto com casas com esgotos, água e luz, etc. foi liminarmente afastado pelo senhor Ministro que ouvia a proposta. Nem pense nisso, você está maluco? Casas para camponeses com água e luz e esses luxos todos? Isso não reproduz o espírito do que se quer fazer, além do preço que isso vai custar! Mas... senhor ministro, ainda tentou o pobre coitado argumentar, água canalizada é um mínimo, e não vai encarecer assim tanto... Já lhe disse, atalhou o ministro, e o custo até nem é o que mais importa aqui. Já imaginou uma fonte no meio, ou perto da aldeia, e ao fim do dia as mulheres com o cântaro à cabeça a irem buscar água à fonte? Que bonito que é? Isso é que é a imagem de uma verdadeira aldeia portuguesa!
Pois fizeram-se as casas, e as aldeias com nomes bem portugueses. Gradil, Alqueidão, ainda me lembro de algumas, mas nenhuma delas com água e com luz. Hoje chama-se Waku Kungo, que julgo ser o nome que sempre teve.

2 Comments:

Blogger Filipe said...

Esse ministro devia ganhar o prémio nobel dos valores tradicionais: o governo vitalício de waku kungo com moradia na cabana maior da aldeia.

6:20 da tarde  
Blogger pandereto said...

Gostaria de saber o nome actual da aldeia nº 9 en waku kungo, Cela.
Tem uma grande igreja chamada nossa senhora da Paz

5:19 da tarde  

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