domingo, maio 09, 2004

A ILHA

Há já algum tempo que me fechei em casa sozinho.
Entretanto a barba cresceu, o cabelo embranqueceu, e só sei que sou eu porque me lembro de coisas que mais ninguém viveu senão eu. Que mais ninguém viveu como eu.
Por vezes, aquele menino que fugia descalço prá rua vem me buscar, pega-me na mão e leva-me com ele. Vai mostrar-me a Restinga e a baía, as garças no cimo das cazuarinas, e vamos ouvir a música do vento nas palmeiras. Leva-me a ver o mar naquelas tardes calmas na ilha em que os velhos pescadores remendavam as redes na praia à sombra das velas, e se deixavam adormecer tranquilos, embalados nos seus sonhos com sereias.
Nunca sei o que dizer-lhe. Passeamos em silêncio, ele a sorrir e eu com ele.