quarta-feira, julho 24, 2013

O meu Mandela, o meu Madiba

 Eu estava com o repórter fotográfico António-Pedro Ferreira, o meu amigo Tó-Pê, num clube de jazz em Joanesburgo. Mandela tinha sido libertado há pouco, De Klerk ainda era o presidente da África do Sul, mas o apartheid desmoronava-se aos poucos. No palco, um conjunto de cinco ou seis elementos tocava standards; à volta das mesas jovens brancos e negros bebiam e ouviam - mas separados, brancos numas mesas, negros noutras. De repente, os músicos tocam What a Wonderful World e o vocalista, imitando Louis Armstrong o melhor que sabia, falava sobre as árvores verdes, as rosas vermelhas, as nuvens brancas o céu azul e o abençoado brilho do dia. E nesse momento mágico uma jovem branca, loura, levanta-se da mesa dá dois passos e convida um jovem negro para dançar. Ele levantou-se e aceitou. E enquanto os dois dançaram o mundo era maravilhoso, os músicos geniais e todos nós vivemos uma espécie de epifania. Eu e o Tó-Pê chorámos (ele autorizou-me a confessar isto). E todos naquela sala, que nos misturámos de imediato, pensámos, talvez erradamente, que o mundo era mesmo maravilhoso e dali em diante o mal terminaria. O que foi a queda do muro de Berlim na Europa, foi em África a libertação de Mandela, o homem que sofreu todas as humilhações sem nunca clamar vingança. E esta cena, que para mim é a minha queda do muro (o António Pedro já a tinha visto, também, em Berlim) foi uma das mais belas coisas que o jornalismo me deu e ainda hoje, 23 anos depois, me comove e me diz que a minha vida valeu a pena. Eu sei que a maioria dos comentadores do blogue me trata como uma espécie de burocrata sentado atrás de uma secretária a escrever. Mas, durante anos, fui repórter. E cobri assuntos fáceis como... guerras. Vi horrores - homens mortos por gás, pessoas a desfalecer de fome, ouvi o som dos tiros a passar sobre a cabeça; as AK 47, as RPG 7, o armamento francês, inglês, americano, russo, israelita, checo, etc. que semeava e semeia a morte no mundo. Vi-os na guerra entre o Irão e o Iraque, no Médio Oriente, em África. Da Costa do Marfim à Namíbia, do Gabão ao Malawi, da Suazilândia ao Saara Ocidental (e é claro em Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Guiné) estive em muitos locais, dormi em muitos lados, em palhotas de campos de refugiados, em cima de camionetas, em hotéis que pareciam palácios e noutros que pareciam prostíbulos. Por isso relativizo tantas vezes o que entre nós se chama pobreza extrema ou desprezo pela vida; por isso tantas vezes me congratulo por, à nossa relativa pobreza, ter vindo a corresponder o aumento do bem-estar, da dignidade e da possibilidade da decência na maioria destes países. Por isso acredito que nenhum homem de bem, nenhum homem sensível deixará de prestar homenagem a Nelson Mandela, ao Madiba. Esta foi a minha!
 Henrique Monteiro 9:30 Domingo, 30 de junho de 2013

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