terça-feira, fevereiro 15, 2011

Sobre o Egipto, ouçamos os bruxos



«Não percebo por que razão os políticos divagam e os jornais se entusiasmam. Não chegou o delírio democrático depois da queda do muro e do colapso da URSS, para perceber que uma insurreição popular não leva forçosamente a uma democracia? Nem sequer chegou o exemplo português de que um pequeno partido, com influência ideológica e bem organizado, pode facilmente corromper os militares e tomar conta do Estado? Os manifestantes da praça Tahrir, um conjunto heterogéneo de descontentes, conseguiram de facto correr com Mubarak. Mas porque o Exército (nestas coisas, a Força Aérea e a Marinha não contam), que era o árbitro desde o primeiro momento, o abandonou. Foi o Exército que uniu a oposição e que, em última análise, tinha os meios de agir. Por muito que doa ao idealismo adolescente em moda, civis sem armas não derrubam ditaduras. Barak Obama disse logo que a "revolução" (?) do Egipto o inspirara. Também, segundo consta, inspirou a Liga Árabe, o Irão, o Hezbollah e o Hamas. Isto devia dar que pensar a Obama e à "Europa". Infelizmente não deu. Até a pobre Suíça, com a sua prudência, congelou as contas de Mubarak. Ninguém no Egipto vai agradecer à ingenuidade do Ocidente e, sobretudo, ninguém espera que eleições livres (a mezinha do costume) refaçam um regime e uma ordem civil tolerável. Em primeiro lugar, não há - e tão cedo não haverá - partidos democráticos. Em segundo lugar, há a Irmandade Muçulmana, cujo nome fala por si (apesar da mansidão que ultimamente exibiu). Em terceiro lugar, há 80 milhões de habitantes, na maioria miseráveis, dispersos por um país sem fim. No meio disto, e presumindo a mais do que provável (se não inevitável) interferência do Irão, como imaginar que se resolveria fosse o que fosse com eleições? O único resultado seria quase com certeza o alargamento e o reforço da "Irmandade Muçulmana". O Ocidente continua a persistir que a democracia ("a liberdade") é uma fórmula política. O pior é que não é - é uma forma de civilização, que mesmo na Europa levou dois séculos de conflito, interno e externo, para se impor e que exige a existência prévia de uma cultura "iluminista" (de qualquer espécie: francesa, inglesa ou alemã...) e de um Estado decididamente secular. Se o Egipto, que nunca pertenceu, nem temporariamente, ao mundo democrático se sair deste aperto com uma ditadura militar, menos brutal e menos corrupta do que a de Mubarak, já é uma sorte. Uma grande sorte.»

Nota: Entretanto, o PREC egípcio já fez as primeiras vítimas. O Museu do Cairo foi vandalizado pelos "revolucionários democráticos" e desapareceram pelo menos três peças de valor inestimável fora as tradicionais peripécias da pura e estúpida destruição. Aquela gente não muda a sua natureza pelo simples facto de ter o focinho no facebook e acesso à internet. Os milhares ou milhões de manifestantes que tão túrgidos derrames têm provocado ao "ocidente" - entre nós, é ler os jornais ou os blogues para se perceber até onde pode chegar a idiotia colectiva - constituem uma sociedade que não se distingue propriamente pelo "progresso" intelectual, pelo cosmopolitismo dos costumes ou pelo respeito do "outro". A mania que se pode exportar a democracia para todo o lado (os EUA fomentam democracias e ditaduras à vez) releva da mais pura ignorância, aquela que, aos poucos, vai enterrando uma certa "ideia de ocidente" à custa da tolice multicultural.
Vasco Pulido Valente, Público

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Êna !! O meu amigo Toí colocou um artigo do V P V no seu blogg ! E não é que é mesmo assim como o homem diz ? Exactamente.


Virgílio

2:43 da manhã  

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