A língua portuguesa
... e o exemplo do rei do Congo
(texto de José Eduardo Agualusa)
(Agradeço a dica ao meu amigo António Teixeira)
(texto de José Eduardo Agualusa)
Participei recentemente num encontro sobre a situação da língua portuguesa no mundo, que decorreu em Bruxelas, nas instalações do Parlamento Europeu. O encontro organizado pelo eurodeputado português José Ribeiro e Castro contou com a presença de dois dos mais entusiastas divulgadores das culturas lusófonas nos países baixos: Eddy Stols, professor catedrático da Universidade de Lovaina, e Harrie Lemmens, o tradutor para neerlandês de José Saramago, Lobo Antunes, Eça de Queirós, Mia Couto, João Ubaldo Ribeiro e tantos outros.
Na sua intervenção Lemmens recordou os esforços do Rei do Congo, Dom Afonso, para promover o ensino do Português nos seus domínios: "No dia 25 de Agosto de 1526, Dom Afonso fez novamente um apelo a el-rei, agora Dom João III, para lhe mandar mais professores (a carta mostra o valor que o rei congolês dava ao ensino e a modéstia com que pede ajuda): "Senhor, temos muita necessidade de três ou quatro bons mestres de gramáticas, para acabarem de confirmar nossa gente, aqueles que já nisso são principados; porque para ensinar a ler e escrever muitos temos, vossos naturais e nossos, que o sabem e fazem, mas para lhes mostrar e declarar as coisas da santa fé e explanar os casos duvidosos que os outros homens geralmente não sabem, o que é muito necessário." Ficou três anos sem receber resposta. Só numa carta de 1529 el-rei Dom João III, além de tentar convencer mais uma vez o colega congolês que devia abrir o seu país ao comércio, pois era o que todos os países modernos faziam (a globalização!), louvou a maneira como se dava aulas às crianças no reino de Dom Afonso, "noite e dia", nas suas palavras. Até a própria rainha se ocupava das raparigas. Na mesma carta, porém, escreveu que não queria mandar mais do que quatro professores, porque no Congo haviapessoas suficientes capazes de fazê-lo. Como vêem, aproveitou a modéstia de Dom Afonso para reduzir as despesas."
À data da independência de Angola, mais de quatrocentos anos depois, ainda os apelos de Dom Afonso não tinham sido completamente atendidos. De então para cá muita coisa mudou. Em trinta anos de independência o governo angolano fez mais pela afirmação da língua portuguesa - quer de forma deliberada quer inadvertidamente - do que todos os anteriores governos coloniais. O triunfo militar sobre a UNITA, e agora o seu esmagamento nas urnas, assinalam também a vitória definitiva da língua portuguesa e do projecto cultural que nela se exprime. É parte, talvez, daquilo que alguns intelectuais na oposição, como o activista cívico Luís Araújo, chamam endocolonialismo. Importa reconhecer, contudo, que muitos outros países, por exemplo nas Américas, se construíram sobre modelos semelhantes.
Para além do futuro incerto das línguas africanas de Angola, este triunfo absoluto implica uma outra ameaça de que quase não se fala. Devido à fragilidade do sistema de ensino básico a maioria das crianças angolanas estão a trocar a língua materna dos seus progenitores por um idioma empobrecido. Dito de outra forma, os pais dos milhões de crianças angolanas que hoje só se comunicam em português serviam-se de um quimbundo, de um umbundo ou de um quicongo mais rico do que aquele português que os seus filhos hoje falam.
Esta erosão de pensamento, pois perder palavras é perder pensamento, da mesma forma que perder línguas é perder mundos, só poderá ser corrigida com um fortíssimo investimento no ensino do idioma português. Espero que os dirigentes angolanos saibam seguir o exemplo do rei congolês, Dom Afonso, e que comecem a procurar desde já professores de língua portuguesa, e formadores de professores, onde quer que eles existam, seja em Portugal ou no Brasil. Espero, por outro lado, que os dirigentes portugueses não sigam o exemplo de Dom João III, e saibam corresponder a tais expectativas.
Na sua intervenção Lemmens recordou os esforços do Rei do Congo, Dom Afonso, para promover o ensino do Português nos seus domínios: "No dia 25 de Agosto de 1526, Dom Afonso fez novamente um apelo a el-rei, agora Dom João III, para lhe mandar mais professores (a carta mostra o valor que o rei congolês dava ao ensino e a modéstia com que pede ajuda): "Senhor, temos muita necessidade de três ou quatro bons mestres de gramáticas, para acabarem de confirmar nossa gente, aqueles que já nisso são principados; porque para ensinar a ler e escrever muitos temos, vossos naturais e nossos, que o sabem e fazem, mas para lhes mostrar e declarar as coisas da santa fé e explanar os casos duvidosos que os outros homens geralmente não sabem, o que é muito necessário." Ficou três anos sem receber resposta. Só numa carta de 1529 el-rei Dom João III, além de tentar convencer mais uma vez o colega congolês que devia abrir o seu país ao comércio, pois era o que todos os países modernos faziam (a globalização!), louvou a maneira como se dava aulas às crianças no reino de Dom Afonso, "noite e dia", nas suas palavras. Até a própria rainha se ocupava das raparigas. Na mesma carta, porém, escreveu que não queria mandar mais do que quatro professores, porque no Congo haviapessoas suficientes capazes de fazê-lo. Como vêem, aproveitou a modéstia de Dom Afonso para reduzir as despesas."
À data da independência de Angola, mais de quatrocentos anos depois, ainda os apelos de Dom Afonso não tinham sido completamente atendidos. De então para cá muita coisa mudou. Em trinta anos de independência o governo angolano fez mais pela afirmação da língua portuguesa - quer de forma deliberada quer inadvertidamente - do que todos os anteriores governos coloniais. O triunfo militar sobre a UNITA, e agora o seu esmagamento nas urnas, assinalam também a vitória definitiva da língua portuguesa e do projecto cultural que nela se exprime. É parte, talvez, daquilo que alguns intelectuais na oposição, como o activista cívico Luís Araújo, chamam endocolonialismo. Importa reconhecer, contudo, que muitos outros países, por exemplo nas Américas, se construíram sobre modelos semelhantes.
Para além do futuro incerto das línguas africanas de Angola, este triunfo absoluto implica uma outra ameaça de que quase não se fala. Devido à fragilidade do sistema de ensino básico a maioria das crianças angolanas estão a trocar a língua materna dos seus progenitores por um idioma empobrecido. Dito de outra forma, os pais dos milhões de crianças angolanas que hoje só se comunicam em português serviam-se de um quimbundo, de um umbundo ou de um quicongo mais rico do que aquele português que os seus filhos hoje falam.
Esta erosão de pensamento, pois perder palavras é perder pensamento, da mesma forma que perder línguas é perder mundos, só poderá ser corrigida com um fortíssimo investimento no ensino do idioma português. Espero que os dirigentes angolanos saibam seguir o exemplo do rei congolês, Dom Afonso, e que comecem a procurar desde já professores de língua portuguesa, e formadores de professores, onde quer que eles existam, seja em Portugal ou no Brasil. Espero, por outro lado, que os dirigentes portugueses não sigam o exemplo de Dom João III, e saibam corresponder a tais expectativas.
(Agradeço a dica ao meu amigo António Teixeira)
3 Comments:
Espero que não comecem por lhes ensinar as nossas asneiras.
Tupariove...
sundo yameno...
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