domingo, fevereiro 19, 2006

Naquele tempo...

antes dos homens.

Quando acordaram já um rumor de morcegos substituia o canto dos pássaros entre os ramos das mangueiras. E foi então, ocultos no capim, que eles viram tudo: as Deusas suspiravam e gemiam enquanto os Deuses devassavam os seus corpos, procurando portas para entrar. «Espalhemos a notícia do prazer por esse mundo fora», murmurou, entusiasmado, o homem. «Tem calma, experimentemos nós primeiro», propôs a mulher. E mimaram, gesto a gesto, aquele amor divino.
Foi depois disso que os Deuses, despojados deste seu último segredo, se tornaram translúcidos, imateriais, perderam o atributo da multiplicação e começaram a rarear. Diz-se mesmo (mas nós não acreditamos) que um único Deus, velho e estéril, reina agora sobre todas as tribos da vasta Terra.

Excerto de um poema de Paulo Ramalho
lido pelo próprio no Instituto Camões em São Tomé